terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A “viagem” de Kinguri. Um reino tranquilo nas margens de um rio (15)


ANTÓNIO SETAS

Finalmente, contam-se dois bandos que tenham colaborado com os Portugueses na década e 1620: Os kilombo da “Anguri” (nguri) e de Kapingena, que participaram de imediato no comércio de escravos e ajudaram provavelmente os colonos na década de1650. Um outro rei mbangala da mesma região, Kaxana, ofereceu o seu apoio aos Portugueses aquando da chegada em 1645 de uma expedição vinda do Brasil em socorro aos Portugueses que tinham fugido de Luanda para Massangano aquando da chegada dos Holandeses. Este Kaxana, de resto, constitui uma excepção gritante à hostilidade dos outros Mbangala do sul, provavelmente por se sentir ameaçado por um outro rei Mbangala que vivia para lá das montanhas a leste de Benguela a Nova, um tal Kahonda, que durante todo o séc XVII, e mesmo uma parte do séc. XVIII, se opôs com êxito à penetração dos Portugueses (com excepção da construção de um forte naquela região em 1648, esporádica base rapidamente reconquistada por Kahonda).
Para norte de Benguela, um certo número de bandos Mbangala, identificáveis como relacionados com o kulembe, formavam uma barreira intransponível ao avanço dos Portugueses. Estes Mbangala meridionais recusavam tanto colaborar com os Portugueses como pagar o tributo, viviam em abrigos rochosos fortificados onde tinham armazenado água e víveres para poder suportar cercos.
O kulembe tinha estabelecido um reino poderoso no curso superior do rio Longa, depois de ter sido expulso das montanhas do sul pelo munjumbo. O seu novo domínio estendia-se em direcção à costa onde um detentor de um título vunga subordinado, o sungo dya kulembe, governava o povo Sumbi, que vivia próximo da foz do rio Kuvo, apoiado por dois subordinados, Nambo a Nbungo e Lunga dya Kafofo – ver mapa - cujos domínios ficavam mais para o interior, a sul do Hako e do Libolo.
Estes reis Mbangala tornavam a vida impossível aos chefes locais que ajudassem os Portugueses, e a partir da década de 1640 começaram a fazer razias nas aldeias dos sobas colaboradores. Em 1643 combateram contra um exército comandado por Diogo Gomes de Moraes, no ano seguinte partiu de Massangano uma expedição armada para lutar contra eles, foram derrotados, recuaram, voltaram a aparecer, numa táctica de guerrilha que lhes deu uma reputação de guerreiros invencíveis. Nos anos seguintes juntaram-se a estes bandos kulembe o chefe rebelde da Kisama, Kafuxi ka Mbari, um outro chefe da província de Rimba, no sul do Libolo, Ngonga a Kahanga (que, certamente depois de uma derrota não referenciada, acabou por se declarar vassalo da Coroa portuguesa), outros Mbangala não identificados vagueavam pela província de”Gemge”, que ficava a leste de Sumbi, quer dizer, a oposição dos Imbangala às actividades dos Portugueses nas regiões a sul do rio Kwanza contrastava de modo impressionante com a docilidade dos reis mbangala do norte, instalados entre os povos Tumundongo.


Uma tragédia inesperada
O exemplo mais conhecido da oposição do kulembe à penetração europeia na região sul do Kwanza, ocorreu quando o ramo ocidental dos seus Imbangala derrotou a expedição portuguesa comandada por Teixeira de Mendonça e Lopes Sequeira que, vinda do Brasil, mais precisamente da Bahía, de onde zarparam no dia 8 de Fevereiro de 1645, composta de 260 infantes e oficiais de guerra (ver Brásio, Vol. IX, páginas 332 a 339), ao socorro dos Portugueses encurralados em Massangano pelos Holandeses. Depois de terem desembarcado, a 12 de Abril de 1645, perto do rio Kikombo tencionavam singrar para nordeste em direcção a Massangano, o menor dos males, pois apesar de terem que atravessar o difícil rio Kuvo – ver kalanda ka imbe -, dispunham da amizade de Nzamba, um governante dos acolhedores Sumbi, e uma ajuda adicional na pessoa de Muni dya Ngome, um chefe Imbangala que tinha fugido das suas terras mais a norte em disputa provavelmente com o kulembe, e com excelentes razões para se associar com os portugueses) através toda a inospitaleira terra do kulembe. Como estava previsto chegaram ao rio Kuvo, e os homens de Muni dya Ngombe e de Nzamba construíram uma ponte Depois avançaram, contando algumas vitórias sobre bandos Imbangala, que não se resignavam a aceitar uma derrota definitiva, reorganizavam-se, reagrupavam-se e reatacavam sem mercê os já extenuados Portugueses. A certa altura meteu-se-lhes ao caminho o grupo Mbangala que tinha combatido contra Gomes de Moraes nos anos anteriores, e que, juntando-se aos que tinham sido derrotados antes, refizeram um poderoso exército e infligiram uma estrondosa derrota aos Portugueses. Os homens de Muni dya Ngome desertaram ao primeiro sinal da derrocada e deixaram os Portugueses combater sozinhos. Morreram 103 do total de 106 Portugueses que constituíam a caravana.

Só a partir da década de 1670 os Mbangala do kulembe reconheceram as vantagens derivadas da participação ao tráfico de escravos. Começaram então a procurar contactos com os Portugueses e não se privaram de acometer o governante dos Sumbi da região de Kikombo, a fim de eliminar o que eles consideravam ser um intermediário. Mas este resistiu à tentativa dos Imbangala e também derrotou uma expedição portuguesa comandada por Gaspar de Almeida, preservando assim, até ver, o padrão comercial estabelecido e os seus próprios lucros.
Outros Mbangala, vindos da região dos Ovimbundu conhecida por Tumba, e que viviam perto do Libolo, as únicas regiões Tumundongo a sul do Kwanza, começaram por combater os Portugueses e os chefes do Hako e do Libolo que se lhes tinham associado precisamente por temerem os seus vizinhos do sul. Ganharam ao que parece o controlo da área a partir da década de 1620, interrompendo assim o tráfico de escravos que corria para norte, através de Cambambe, para os postos dos Portugueses imediatamente além-Kwanza. O bispo Mascarenhas, governador interino se Angola em 1623-24, enviou uma expedição sob o comando de Lopo Soares Laço para trazer de volta à autoridade portuguesa a fronteira do Libolo com a Tunda, o que este conseguiu, derrotando nomeadamente o chefes Mbangala Nzenza a Ngombe (muito temido pelo Hako e pelo Libolo) e um chamado “Bango-Bango”, que foi capturado e levado para Luanda..
Esta vitória (1624) levou os Mbangala e os Portugueses a se juntarem de novo, ao mesmo tempo que provocaram uma mudança de política dos chefes do Hako e do Libolo, que se opunham sistematicamente a qualquer invasor externo, e de imediato trocaram de lado para se juntarem a Kafuxi ka Mbari na sua resistência contra os Portugueses e os seus novos aliados Mbangala.


História de “Bango-Bango” 3ª aliado Mbangala dos Portugueses
“Bango-Bango” foi capturado pelos Portugueses em 1624, e pouco tempo depois foi-lhe permitido instalar-se a norte do rio Kwanza, em Ilamba, ficou privado do apoio dos outros Mbangala do Sul, e desistiu do modo de vida dos Mbangala para se tornar um leal kilamba, ou capitão das tropas auxiliares africanas que combatiam ao lado dos exércitos Portugueses. Prestou leais serviços aos governadores de Angola, nomeadamente contra os Holandeses, para os quais ele fingiu desertar em 1641, para mais tarde se lhes escapar de volta para os Portugueses, depois de lhes ter causado imensos prejuízos. O rei de Portugal, mais tarde, recompensou os seus serviços, “fazendo-lhe mercê” da Ordem de Cristo; por essa ocasião, o antigo Mbangala “Bangobango” aceitou o baptismo cristão, recebendo o nome de João Bango


As movimentações de um outro título originariamente subordinado ao hango do Libolo, o kaza, ilustram bem a segurança que os chefes Imbangala encontravam a sul do rio Kwanza
O kaza ka hango, título perpétuo concedido às linhagens Tumundongo nas proximidades do antigo centro do Libolo, pertencia ao povo que vivia algures do outro lado do rio, em frente do posto dos Portugueses de Cambambe. Os detentores deste título adoptaram o kilombo antes de 1620 e eram considerados pelos Portugueses como um dos mais poderosos grupos Mbangala da região. Aliaram-se aos Portugueses por um certo tempo, durante as campanhas vitoriosas com o kulaxingo, atravessaram o rio Kwanza para combater próximo de Massangano ao lado do exército Português comandado pelo capitão Luís Gomes Machado. Mas a dada altura o rei Mbangala rebelou-se e foi estabelecer-se com o seu povo no Ndongo. Em 1621 veio uma expedição Portuguesa expulsá-lo do Ndongo, o kaza fugiu de volta para a margem sul do Kwanza e utilizou a firme base de apoio que ali controlava para tirar a sua desforra, ao longo de toda a década de 1620. Começou por ajudar o ngola a kiluanje, Mbande a Ngola quando este se opôs à penetração Portuguesa no Ndongo, e mais tarde juntou-se à rainha Nzinga.
Imagem: pastormoysesbarbosa.com

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