sexta-feira, 8 de julho de 2011

Ainda existem defensores das nossas tradições. Alambamento continua vivo na cultura angolana


No dia 25 de Junho de 2011, no bairro Maculusso, em Luanda, realizou-se uma cerimónia revestida de um precioso simbolismo: duas famílias angolanas viram reduzir as suas distâncias com o alambamento dos respectivos filhos. De um lado Dilambda Tonet e do outro, Universindo Gonçalves.

William Tonet, que educou os filhos no marco da assumpção Bantu e cultura angolana, mostrou no alambamento desta sua segunda filha que para ele o denominado pedido, não tem a mesma força, que a celebração tradicional.

António Setas & Félix Miranda

Muito bem. Chegamos neste evento, é verdade, a um ponto de referência obrigatório da Cultura angolana. Mas não vamos, por tanto ou por tão-pouco, entrar agora num despique entre o tradicional e o seu substituto moderno, numa querela do tipo que assalta o mistério do sexo dos anjos.

A diferença está na mentalidade das pessoas…

Portanto, dizíamos, Dilambda Tonet foi pedida oficialmente em casamento, não pelos moldes e métodos vulgares do bem denominado vulgo “Pedido”, reconhecido pela ribalta da modernidade cultural e, sobretudo, analógica, angolana, mas por outras vias mais consentâneas com a esquecida angolanidade que uma minoria pretende preservar da erosão do tempo que passa.

Neste caso muito particular, a família de Dila enveredou pelo rigor e referências peculiares dos tempos de antanho e outros quejandos culturais, cuidadosamente resguardados das intempéries conjunturais pelo Clã Tonet, que no seu seio, consensualmente, exigiu o “Alambamento”.

Foi o que aconteceu no pretérito dia 25 de Junho, como referido supra, na pitoresca vivenda familiar de William Tonet.

No início da tarde os anfitriões entreolhavam-se e desdobravam-se em arranjos de detalhes da sala onde se tinham reunido os restantes parentes, sala essa que, na magia do momento, se transformou em átrio tradicional de outros tempos, palco privilegiado dos ondjangos.

Os familiares de Dila aproveitaram o tempo que se arrastava para aprimorar os rituais da cerimónia, envolvidos de nervosismo e expectantes, sabedores de que a tradição não perdoa deslizes que porventura pudessem ameaçar a honra da palavra dada ante a família do alembador Universindo Gonçalves.

A Festa Grande
À entrada, disposto em alas, um grupo de interpretes de música tradicional, vestidos como mandam as regras do antigamente, exibindo alguns talentos dos desconhecidos impulsos dos nossos dentros, que tanto nos podem atarantar, receberam os convidados.

Com um atraso de cerca de duas horas e quinze minutos - o que valeu a penalização da praxe - a família do pretendente finalmente chegou trazendo os dotes requeridos.

Inicialmente, o pai do pretendente pediu desculpas pelo atraso, comprometendo-se a pagar a respectiva multa, como é da praxe. De seguida um tio mais velho, procedeu a entrega da Carta de Alambamento a Pedro Tonet, tio do pai de Dila, contendo no seu interior, a quantia de 50 mil kwanzas.

Após a leitura do conteúdo da carta pelo avó da alambada, fez-se a entrega da encomenda constante da lista que foi submetida, ou seja,

Dois Crucifixos
Uma Bíblia
Duas Panelas de barro
Dois casais de galinhas do mato brancas
Dois conjuntos de panos do Congo
Um Pano branco
Duas Panelas de barro
Dois cabritos
Kissangua
Cerveja
Gasosa
Bebidas espirituosas
Fuba de milho
Fuba de bombo
Peixe-seco
Batata doce
Mandioca
Banana pão

Posteriormente à apresentação dos dotes, o tio Makuta Nkondo, criticou a omissão na lista do pai da alambada, do fato para o progenitor, lenços de cabeça para a tia e avó e respectivas chinelas, o cordão de ouro, o Maruvo, a sagrada Cola e o Gingibre, elementos indispensáveis para consagrar o quinhão da "oferenda", sem culpas para os visitantes, pois estes últimos elementos não faziam parte da lista submetida.

Na sequência, pediu-se que a pretendida deixasse o esconderijo e fosse então prestar o juramento de concordância e aliança para o que der e vier até ao casamento em companhia de Universindo. E vice-versa. Como noutras cerimónias do género, Dilambda surgiu coberta em companhia de uma irmã para testar se Universindo, às cegas faria a escolha certa; o que foi abençoado. Bom começo!

Trajando um vestido africano, com missangas nos pés e mãos e descalça, a alambada passou a beijar um a um os familiares do seu futuro companheiro. Com o gesto, jamais poderá tratar por senhor ou senhora fulana, a mãe, pai ou tia contrária, mas como de seus pais e tios se tratassem.
-“Assumo que a partir deste momento, tenho dois pais, mães, tias, etc”, jura a alambada, seguindo a intervenção de um seu avó, que lhe pergunta:
-“Tem a certeza que é mesmo esse o moço, que você quer?
- “Sim avó…
- Estás segura que ainda o amas e é com ele que queres mesmo ficar?
- Estou sim, avó…
Seguem-se as mesmas perguntas ao alambador.
Acto contínuo, Dila é convidada a inspeccionar as oferendas e só depois os familiares a podem retirar e comer.

Não tardou depois da colocação do anel, o entoar da serenata de piadas e os conselhos culturais tradicionais, por tios e tias que se sucederem após a intervenção do pai da Dila, na presença de proeminentes convidados, na sua maioria idosos e idosas, cuja experiência e maturidade não se pode pôr à prova.

E logo seguiu-se a subida ao “Salão de Cristo”, onde as famílias iriam selar a primeira refeição em conjunto, ao som dos batuques, da marimba e do quisanji.

E eis que aqui, surge mais uma surpresa do cerimonial; Dila Tonet, surge vestida de missangas e saia de sarapilheira, na coreografia de uma dança tradicional, como sinal de estar preparada para se deslocar ao mato, visitando, os familiares do seu companheiro e não só, ao mesmo tempo que se relaciona nas cidades com outras gentes e culturas.

Foi lindo de ver.
Questionado o pai da alambada, sobre as razões desta cerimónia, sendo ele uma figura pública de referência disse: “não sou complexado, assimilado, nem luso-tropicalista, logo, orgulho-me de ser Bantu e defensor ferrenho da cultura, tradição e costumes angolanos”.

O jornalista questionou ainda WT, sobre o significado da filha ter dançado de trajes africanos, mais uma vez, no “Salão de Cristo, quando na sala debaixo já se tinha apresentado, ao que em tom irónico respondeu: “Ela tinha de mostrar a família do alambador, que não apertou a barriga, portanto, está vazia e, depois que sabe mexer”, e que sobre este assunto todos estarem entendidos”, disse em tom de brincadeira entre risos e gargalhadas.

Neste entretanto, comentou-se a distinção que se objectou fazer com as cerimónias do “Pedido”, em que na presente circunstância o tradicional fica mais vincado, caracterizado pelos elementos que fazem parte dos dotes, como os cabritos, as galinhas do mato, a Bíblia e os rituais específicos.

Tanto que antes de os alambados dançarem o pai abre o salão com a filha, entregando-a posteriormente, ao futuro genro, com a recomendação de não baixar a guarda ao seu dever de vigilância, enquanto progenitor, que ama os seus filhos.

Bonito.
A pontos de vir à nossa mente o seguinte pensamento: será que a eufórica corrida para o progresso, alienante, vale a pena?

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